A casa diz ser britânica, de pedigree Edwardiano, atestado pelas amplas
janelas abauladas e por chaminés ao estilo Mary Poppins. Mas dentro da sóbria construção
de tijolos vermelho escarlate, espirrados que foram da Revolução Industrial,
reina absoluto o aroma brasileiro. É o perfume da refoga onde caem os feijões
mexicanos de nome lusitano interessante: pinto. Estapafúrdio, como diria a
senhora prolixidade.
A menina vem correndo lá da sala. Ouça os passos curtos e ligeiros;
inconfundíveis. Ela se aproxima da porta da cozinha, levanta os braços na beirada
do fogão. Quer ver o bronze do caldo de feijão borbulhante. Pula para fora do
cerco dos braços da mãe, alcança o babador de borracha, veste-o apressadamente
como quem diz “a fome quer comer”. Eis aí a prova de que o país da gente vem
servido no DNA, não se escolhe no cardápio depois que nasce.
Em um piscar de olhos a menina já está sentada, prato feito na bandeja do
cadeirão; dá-se início à perseguição aos grãos de feijão. As vítimas são
espetadas com um pequeno garfo de cutelaria infantil, encontradas que sejam
embaixo do legume ou da mistura, que hoje é salsicha. Mesmo os grãos mais
garridos a menina encontra, e mal deu tempo de disparar o grito “Achei!”, são
logo engolfados. Já disse e repito: dá gosto ser a cozinheira que refoga o
feijão para essa menina.