sexta-feira, 27 de junho de 2014

Apenas uma foto




Que a memória não me falhe, quando ele passar os dedos adultos sobre a película da foto e citar em voz alta o nome daquela menina. Serão lembranças de amor, sim. Mas não lembranças românticas de um amor pueril.
 O perdão não permitirá que ele se esqueça daquele nome, entremeio aos demais, então escondidos por arte e graça de algum neurônio brincalhão. Pois, como se sabe, o perdão liberta, abrindo as masmorras das discórdias à luz, e a vida não declina para o estado vegetativo.
           É o que antevejo enquanto ele acena para a colega, ambos seguindo à escola por calçadas opostas. Ela responde, chamando-o pelo nome, e ele sorri inocente, já esquecido das desavenças passadas. O perdão é assim: seleciona o que deve se tornar esquecimento, porquanto, grava no coração palavras chaves que nos guiam para novos começos.

A liberdade que me interessa





Quero liberdade. Mas não a liberdade que escraviza a humanidade; a tal obrigação de mostrar para si mesmo, e para outros, que se é livre, por própria conta e risco. Tampouco quero a liberdade congelada em uma imagem, ou a libertinagem de um movimento.
Quero a liberdade de me fixar, e não precisar voar o tempo todo. Quero a liberdade de viver de sonhos, e não de ambições. Quero chegar, e não partir. Quero aportar, e não recolher âncoras.
Não quero a liberdade motivada por excessos. Quero o simples, o básico, o necessário. Só o que couber dentro do coração. Dispenso correr demais, conhecer muito, conquistar um mundo.
Estar livre, para mim, é estar perto. É ter um porto. Ser livre não é ser forte: É ter um forte. Não quero alcançar os limites do horizonte, mas satisfazer-me em tocar somente o dia de hoje.
 Que o diálogo não me venha mais com meias palavras, nem o discurso com meias verdades. Quero-as todas inteiras. Essa é a liberdade que me interessa.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Sementes

            


           Desde que plantamos algumas sementes no jardim da nossa casa, em Southampton, tenho por hábito visitá-lo todas as manhãs e, quando possível, também à tarde. Não tenho palavras para descrever a emoção que senti ao ver os primeiros brotos surgindo da terra escura. Talvez se aproxime à emoção daquela criança que, pela primeira vez, viu eclodir folhas verdinhas do grão de feijão embebido do algodão molhado. A vida é sempre um milagre, não importa se tenha por berço um copinho de plástico sobre a bancada da cozinha, ou a sofisticada incubadora materna que a gente conhece por útero.
         Voltando ao nosso jardim, garanto-lhes que não foi trabalho fácil embutir as sementes na terra. Foi preciso muito esforço para abrir espaços entre as raízes subterrâneas das plantas forrageiras, que tornavam o ambiente hostil ao nascimento de flores delicadas, tais como aquelas que desejávamos ver florescer durante o verão. Lançamos as sementes, na incerteza. Cobrimo-las com o fortificante, na esperança. Pouco mais de duas semanas foi o tempo necessário para que as plantas jovens apontassem, fazendo valer nossa dedicação ao canteiro.
           E cada vez que sou acometida pela expectativa e desejo imediato de ver nossas “filhas” crescendo no berçário dos fundos, cheirando a mato, medito na satisfação do Jardineiro ao plantar vida dentro do coração humano, e vê-la suscitar, a princípio tão frágil, no solo outrora estéril. Paciencioso, Ele rega os brotos novos e acompanha as folhas se desdobrando do projeto de caule, até que surjam as primeiras gemas axilares. Por fim verá o fruto de seu árduo trabalho, e se alegrará nele.
       Aguardo pelo dia em que as flores darão o ar da sua graça no nosso jardim de aluguel. Há de ser uma data memorável para nós. Por hora, já entendi que nenhum jardim entra na vida da gente por acaso.